terça-feira, 19 de julho de 2011

Revista Língua Portuguesa aborda "estrangeirismos" com Claudio Fonseca

Íntegra da matéria da Revista Língua Portuguesa do mês de julho, assinada pela jornalista Adriana Natali, que traz a participação do vereador Claudio Fonseca (PPS).

Pureza artificial

Deputado gaúcho tenta enquadrar palavras estrangeiras por meio de lei: especialistas dizem que tentativas do gênero são inúteis e inconstitucionais

Por Adriana Natali

O uso exagerado de termos estrangeiros na linguagem cotidiana parece ter se tornado uma obsessão legislativa. O mais novo paladino da eugenia a querer regrar os relacionamentos do idioma com outras línguas é o deputado estadual Raul Carrion (PCdoB-RS), que decidiu criar lei gaúcha para enquadrar o uso de termos como self-service, delivery, fast food, sale, bullying, coffee break e time nos meios de comunicação e órgãos públicos.

Se sancionado como criado, o projeto de lei 156/09 determinaria a tradução das palavras gringas usadas em documentos e informativos dirigidos ao público. O autor explica que a proposta não impede que essas palavras sejam usadas nem se aplica à linguagem falada, a nomes próprios, obras científicas e de arte ou à comunicação privada. As palavras de origem estrangeira já aportuguesadas ou dicionarizadas estariam excluídas da necessidade de ser traduzidas.

- O projeto tem caráter essencialmente educativo e não cria penalidades. Tem como objetivo valorizar o uso do português na linguagem escrita, evitando a sua descaracterização pela utilização indiscriminada, abusiva e desnecessária de vocábulos estrangeiros, garantindo ao cidadão brasileiro que todo documento público, propaganda, publicidade ou informação sejam escritos em sua língua pátria, de forma a facilitar-lhe a compreensão e educar a população no correto uso da língua portuguesa - explica Carrion.

A medida chegou a ser aprovada, em abril, por 26 votos a 24 na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, mas no mês seguinte foi parcialmente vetada pelo governador Tarso Genro, que sancionou só o artigo 2º, segundo o qual "todos os órgãos, instituições, empresas e fundações públicas deverão priorizar na redação de seus documentos oficiais, sítios virtuais, materiais de propaganda e publicidade, ou qualquer outra forma de relação institucional através da palavra escrita, a utilização da língua portuguesa". A decisão foi considerada importante para Carrion.

- A sanção do governador a parte do projeto, criando assim a Lei 13.727, é encarada por mim como um importante passo na defesa do idioma pátrio, pressuposto básico da soberania da nação, porquanto seja a defesa desta soberania uma bandeira de caro valor para mim e meu partido - conclui.

Projetos


A iniciativa não é inédita e causa polêmica há anos. Em 1999, o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) teve o PL 1.676/99 aprovado de forma terminativa na Câmara dos Deputados. Ele agora tramita no Senado. Há ainda o projeto de lei estadual 272/09, proposto pelo governador do Paraná, Roberto Requião, e aprovado pela Assembleia Legislativa daquele Estado; na cidade do Rio de Janeiro vigora a Lei 5.033/09, proposta do vereador Roberto Monteiro e, no Acre, o Ministério Público do Estado convocou a Associação Comercial e a Federação Comercial do Acre para determinar a fiscalização do uso das expressões estrangeiras na oferta e na apresentação dos produtos e serviços oferecidos aos consumidores.

Linguistas divergem sobre a eficácia de uma lei restringindo ou proibindo os estrangeirismos. Professor de letras e administração da Universidade Norte do Paraná e doutor em letras pela Universidade de São Paulo, Marcelo Silveira afirma que uma lei vai acabar protegendo uma porcentagem baixíssima de todas as situações de comunicação que a língua, a cultura e a sociedade nos permitem.

- Ela só vai servir mesmo para causar uma xenofobia linguística, justamente em um momento em que os países se integram - diz.

Patrulha


Segundo Silveira, a tentativa de substituir termos estrangeiros por lei pode ter boa intenção, em particular a de diminuir o número de palavras com significados diferentes e evitar ambiguidades. Além disso, ajudaria a padronizar o idioma, assim como se dá na linguagem formal, que tende a ser monossêmica (preferir termos com sentido específico). Para Antonio Carlos Xavier, professor de linguística da Universidade Federal de Pernambuco, é inútil patrulhar estrangeirismos, já que uma língua moderna não se atualiza sem eles.

- O que se deve é acomodá-los, quando possível, às regras de adaptação à língua portuguesa - afirma.

O uso de termos de outras línguas é, para o professor da UFPE, um fenômeno mundial, sendo necessárias à capacidade expressiva do usuário de uma língua.

- A criatividade humana é ilimitada; por isso, na medida em que surgem inovações tecnológicas, artísticas e comportamentais, há a necessidade de nomeá-las. Nem sempre é possível criar uma palavra para uma inovação adotada por uma sociedade. A palavra stand up comedy, por exemplo, trata de uma performance artística recente, que tem conquistado a simpatia dos brasileiros, mas cujo termo em inglês não traz dificuldade de compreensão. Como deveria ser, então, anunciado esse tipo de apresentação? "Piada contada de pé"? "Comédia em pé"? - diz.

Inconstitucional


O artigo 13 da Constituição, que define o português como língua oficial do país, não implica proibição do uso de outras. Mas a legislação obriga que documentos oficiais sejam redigidos em português. Em juízo, há a mesma obrigatoriedade, na medida em que documento em língua estrangeira deve ser traduzido. Por outro lado, os costumes constituem uma das fontes do direito, explica o advogado Renato Afonso Gonçalves, especialista em direito do consumidor.

- A lei gaúcha deve ser interpretada à luz do princípio constitucional da razoabilidade. Não é razoável que as expressões já consolidadas em nossa cultura sejam abrasileiradas. Se assim fosse, como seriam descritos pratos orientais como sushi e yakissoba? - diz o advogado.

O artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor prescreve que a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações claras, precisas, ostensivas e em português sobre suas características, qualidades, quantidade, etc., bem como sobre os riscos à saúde e segurança do consumidor.

- A ideia é informar o consumidor médio que deve compreender a informação para não consumir, ou não consumir de forma inadequada, produto ou serviço que possa ser nocivo à sua vida, saúde e interesses econômicos.

O Código não veda expressões estrangeiras se elas não dificultarem a compreensão do consumidor.

- O problema é que a lei gaúcha é mais ampla, e aqui reside, a meu ver, a sua inconstitucionalidade.

A Constituição, explica o advogado, prevê que a União tem competência privativa para legislar sobre propaganda comercial (Art. 22, inciso XXIX). Nessa matéria os Estados não podem legislar.

- Penso que se o Judiciário analisar a constitucionalidade da matéria, a lei gaúcha não sobreviverá - conclui.

Eficácia


Há quem sugira outras formas, além de decretos, para garantir o uso adequado do idioma. O professor do mestrado em linguística e pró-reitor de Graduação da Universidade Cruzeiro do Sul, Carlos Augusto Andrade, considera fundamental o desenvolvimento da leitura e da escrita.

- Se os estrangeirismos contribuírem para a eficácia do ato comunicativo em língua portuguesa, parece não haver qualquer problema - explica.

O professor e vereador Claudio Fonseca (PPS-SP) também concorda.

- A intenção [do projeto] é boa. Preservar a língua, que é um dos patrimônios de uma nação. Mas duvido de sua eficácia. A melhor forma de preservar a língua é pela educação - afirma.

O redator da PA Publicidade, Antonio Paes, afirma não gostar de estrangeirismos, mas nem por isso acha que devam ser proibidos.

- O bom-senso acaba prevalecendo. Quando alguém usa muitas palavras estrangeiras numa conversa, soa como algo tolo, pernóstico. Funciona assim na propaganda também. Palavras estrangeiras normalmente se transformam em ruídos na comunicação. Você mais cria dúvidas do que esclarece - afirma.

Preservação


Luiz Antonio da Silva, professor de sociolinguística da USP, entende a intenção de proteger a língua de estrangeirismos, mas acha que não é uma lei que forçará o uso de um termo.

- É o uso que consagrará tal forma. A conscientização seria muito mais produtiva. Lembro-me de que, nas décadas de 60 e 70, os professores de português proibiam o uso do termo "detalhe" por ser estrangeirismo e exigiam o uso de "minúcia". Já pensou o Roberto Carlos cantando "Minúcias" e não "Detalhes"? - ironiza.

Para o advogado Gonçalves, a ideia do deputado gaúcho, no limite, visa preservar a cultura brasileira.

- Estamos diante de uma questão social, política e cultural. A viabilidade da lei gaúcha passa por seus próprios instrumentos de sanção, mas principalmente pela vontade social de implementá-la - diz.

Para os especialistas, a iniciativa de legislar sobre os estrangeirismos é não só inconstitucional e inútil como desaconselhável.

Um comentário:

  1. O idioma inglês se usa todos os dias, em todas as áreas.
    Por exemplo, todas as semanas eu peco delivery em itaim porque não gosto muito de cozinhar.

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