terça-feira, 8 de outubro de 2013

Sobel relembra ato ecumênico em memória de Vlado; Lancelloti alerta para o descaso com o enterro de indigentes



Thaís Lancman - Site da Câmara

O rabino Henry Sobel lembrou nesta terça-feira (8/10) o culto ecumênico que realizou, ao lado de Dom Paulo Evaristo Arns e do reverendo Jaime Wright, para derrubar a versão oficial dos militares de que o jornalista Vladimir Herzog havia se suicidado nos porões do Doi-Codi. O ato, realizado em 31 de outubro de 1975, foi a primeira grande manifestação de protesto da sociedade civil contra as práticas da ditadura militar, e reuniu milhares pessoas dentro e fora da Catedral da Sé, na cidade de São Paulo.

Sobel contou pela primeira vez que, na véspera do evento, três generais foram ao seu escritório e o ameaçaram. “Foram muito educados e elegantes, todavia um apontou um dedo para mim e disse: ‘rabino, o senhor não deveria ir ao ato ecumênico, o lugar de um rabino é na sinagoga e não na catedral’”.

Ele disse ainda que teve vontade de rir ao ouvir o general. “Tive que segurar a risada, minha resposta veio espontaneamente: ‘General, vamos fazer um acordo. O senhor não decide o lugar de um rabino e eu não decido onde o senhor vai estacionar seus tanques’”. O rabino, norte-americano, disse que em seguida ligou para a Embaixada dos Estados Unidos alertando-os do ocorrido.

“Morte de Herzog mudou a minha vida”

O rabino, que na época da morte de Herzog chefiava a Congregação Israelita Paulista, lembrou como foram aqueles dias. “Os militares deixaram o corpo na Chevra Kadisha — instituição responsável pelos cemitérios judaicos. Mas me avisaram que quando fizeram limpeza do corpo viram que havia golpes e sinais de tortura. Na hora disse que não íamos enterra-lo na ala dos suicidas”. Sobel explicou, segundo a religião judaica, que “enterrar alguém como suicida é uma vergonha para o morto e família”. “Se não houver provas definitivas, a dúvida deve ser sempre utilizada em benefício do morto”, completou.

Sobre o ato na Catedral da Sé, ele disse que a ideia partiu de Dom Paulo. Jaime Wright se somou logo em seguida, pois também havia perdido um irmão na Ditadura. Depois do ato, ele afirmou que se sentiu “mais frágil, vulnerável e mais responsável”. “A morte de Herzog mudou a minha vida e o rumo do nosso país, foi o catalisador da abertura política”, concluiu.

Durante a reunião, o vereador Ricardo Young (PPS) também recordou o ato ecumênico. Ele tinha na época 17 anos e não conseguiu chegar à Praça da Sé por conta dos bloqueios que a polícia instalou na cidade. “Mas foi esse momento que me fez acordar para a vida política. Eu ainda não sabia o que queria fazer da vida, estudava música, e então quis me envolver mais”, afirmou.

Comissão da Verdade quer mudar forma de sepultamento em SP



O Padre Júlio Lancelotti depôs em tom de denúncia na Comissão da Verdade. Militante dos Direitos Humanos, o religioso contou o que costuma ver nos sepultamentos de indigentes na cidade, e pediu que os vereadores façam o mesmo para atestar o que ele chamou de “espetáculo impressionante”.

“Chega o caminhão baú, fechado, abrem as portas, e os corpos nus são todos despejados”, afirmou, alegando que o procedimento é o mesmo desde a época da Ditadura.

Para ele, moradores de rua têm os direitos negados na vida e na morte. “A democracia não chegou para eles”, concluiu. A situação ainda é mais preocupante, pois os mortos passam a ter valor comercial com o tráfico de órgãos. “Nossa preocupação é com o que é feito com os órgãos dessas pessoas. Vi muitos chegarem empalhados internamente e é sabido que há um mercado internacional de hipófise (glândula localizada na base do cérebro).

O vereador Natalini (PV), presidente da Comissão da Verdade, disse que é unânime entre os membros do colegiado que o sepultamento em São Paulo ocorre de forma “cruel e brutal”. 

“Concordamos que é preciso mudar a forma como a sociedade paulistana encara sepultamento e morte de pessoas não identificadas”, afirmou. Para Lancelotti, “uma das formas de homenagear tantas pessoas que morreram de maneira violenta é tornando a cidade humana e digna”. 

Por ano, mais de 800 pessoas são sepultadas sem identificação. Somente em 2013, foram 360 enterrados nos cemitérios Dom Bosco, Vila Formosa I e II. 

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